Transfiguração II
Vivi milhões de anos nas profundezas da terra
E fui subindo mil estratos, tempos a tempos, entre grutas de estalactites e estalagmites cor-de-rosa.
Até sentir Deus em mim.
Nas profundezas, habitavam mães solitárias, grávidas de deuses que nunca vi.
Eu só sabia o que velha que apanhava gravetos debaixo do arco das fadas me contava.
Quando os filhos das mães solitárias nasceram, acabou a palidez da lua, no céu que havia debaixo da terra como se tivesse sido semeado.
Era um céu esparso, feito de ilhas brancas e enseadas.
E o mar bramiu baixinho à volta de ostras vazias.
E a velha do arco das fadas rejuvenesceu cem mil eras.
Há quem diga que foi nesse dia que M. Clementi nasceu e que era ela a mãe dele.
Ainda eu não conhecia mais do que texturas e filamentos mucosos das heras.
Havia heras, debaixo da terra, que se agarravam às nascentes como se fossem gente.
Vivi milhões de anos à espera de ser uma dessas heras para entender as nascentes
E os voos mirabolantes das aves.
Quando M. Clementi tocou a sua primeira área e tudo estava quieto.
Há quem diga que eu sou filha de uma dessas mães solitárias, grávidas de deuses que nunca vi.
E que M. Clementi tocou para mim, quando nasci. Eu que já era tão velha
E filha suprema da terra!
É por isso que eu sou assim: um naco de terra ávida.
Texturas de Eva
Onde se deflagram Abel e Caim.
03-01-2014
Isabel Vieira
Aqui tens um comentário de alguém que convive com estas transfigurações de perto. E não só. Já vi, por alto, muito do que aqui tens e gosto. Precisava de tempo e de disposição e de menos frio. No entanto, dou comigo a pensar que não precisaria de muito do que já enumerei. Um vez por dia, um observação profunda sobre o que mais me interessa, e tudo estaria perfeito. Não, não preciso de fazer muito. Só preciso de estar. As eremitas vêem tudo com outros olhos e até brincam com esse papão inventado que é o tempo. Beijinhos
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