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20 fevereiro 2015

DORA KRAMER /// ESTADÃO



Dora Kramer


O ministro José Eduardo Cardozo é (ou era) suficientemente equipado de respeito pelo discernimento alheio para saber que a questão em pauta não é o "direito" de o ministro da Justiça receber advogados em seu gabinete.


Esta é só a versão edulcorada e simplificada de uma situação bem mais complicada para o governo e para os executivos de empreiteiras presos há quatro meses em decorrência das investigações da Operação Lava Jato.

Não obstante o fato de o gabinete do titular da pasta da Justiça não estar franqueado a todo advogado cujo cliente se sinta prejudicado no trâmite judicial da defesa - é preciso ter relações para chegar lá -, o ministro recebe quem quiser. Dada natureza pública de seu cargo, só não pode fazê-lo às escondidas.

Muito menos quando o assunto envolve caso rumoroso de corrupção no qual o governo insiste em se mostrar como o mais vigoroso combatente dos ilícitos e o maior interessado na punição de seus autores. Não convence, mas quando mente prejudica ainda mais a tentativa.

E o ponto central da discussão é que Cardozo procurou fugir da verdade e daí em diante só fez tergiversar. A revista Veja descobriu que ele esteve reunido com o defensor da UTC Sérgio Renault e o advogado, ex-deputado e amigo do ex-presidente Lula Sigmaringa Seixas para falar sobre "novos rumos" que incluiriam a contestação dos procedimentos legais a partir dos quais haveria uma possibilidade de um relaxamento nas punições.

O conteúdo da conversa não ficou provado, mas o ministro e Renault, procurados pela revista, de início negaram o encontro. Por quê? Da mesma forma, Cardozo recebeu advogados da Odebrecht sem registro na agenda e depois alegou ter havido "falha técnica" para justificar a omissão.

Ficou mal para o governo que, queira ou não, acabou se postando como parte no assunto, ruim para José Eduardo Cardozo, cujas pretensões a uma vaga no Supremo Tribunal Federal se afundaram no episódio, e péssimo para os acusados que deram ao juiz Sergio Moro mais uma razão para decretar nova prisão preventiva.


Isso quer dizer o seguinte: ainda que os habeas corpus que estão para ser julgados lhes sejam favoráveis, continuarão presos devido ao decreto mais recente por motivo diferente. O anterior era pelo risco de fuga, este por tentativa de interferência política e coação de testemunha, a ex-contadora de Alberto Youssef Meire Poza.

Se de um lado não é justo concluir que há tentativa de corromper a Justiça ou cooptar o ministro, de outro é inútil esconder a movimentação para tentar atropelar politicamente o devido processo legal.

Vale o que vier. Durante décadas o Rio conviveu não só com o patrocínio das escolas de samba com dinheiro de origem ilícita como celebrou os patronos notoriamente envolvidos na criminalidade sob a supostamente inocente fachada da contravenção.

A conquista do campeonato pela Beija-Flor com produção de desfile financiada pela ditadura da Guiné Equatorial afinal despertou os, digamos, bem informados, para esse tipo de permissividade que só chegou a esse ponto porque vem sendo aceita ao longo do tempo por autoridades e sociedade como uma espécie de lado festivo/romântico da bandidagem.

Já foi comum ver prefeitos e governadores confraternizando nos camarotes com barões da ilegalidade que depois eram saudados pelas arquibancadas enquanto desfilavam a frente de alas das respectivas escolas.

Depois veio a prática do "aluguel" de enredos ao poder público para promover homenagens a essa ou àquela localidade. O dono do poder local desembolsa sem perguntar à população se o gasto interessa ao coletivo. Nesse ambiente de vale o que vier, principalmente o que vier e der, os cobres do ditador africano certamente soaram à diretoria da Beija-Flor como aquele mantra entoado no Planalto: "Todo mundo faz, o que é que tem?". 

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