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03 maio 2015

VERÍSSIMO // PURO TEATRO EM UM ATO /// ESTADÃO



Lado B

Verissimo

Todos nós temos outro por dentro. Todos temos um Lado B. Imagine você e o seu Outro sobre um palco.

VOCÊ - Branco
O OUTRO - Preto.
VOCÊ - Por que não cinza?


O OUTRO - Lá vem você com essa sua absurda mania de conciliação. Essa volúpia pelo entendimento. Essa tara pelo meio-termo!
VOCÊ - Se não fosse isso, nós não estaríamos aqui. Foi minha moderação que nos manteve vivos e longe de brigas. Foi minha ponderação que nos preservou. Se eu fosse atrás de você...

O OUTRO - Nós teríamos vivido de verdade! Pouco, mas com um brilho intenso.Teríamos dito tudo que nos viesse à cabeça. Distinguido o pão do queijo com audácia. Posto pingos destemidos em todos os "is". Dado nome e sobrenome a todos os bois!
VOCÊ - Em vez disso, fomos civilizados. Isto é, contidos e cordatos.
O OUTRO - E temos os tiques nervosos para provar.
VOCÊ - Você preferiria ter dito a piada que magoaria o amigo? A verdade que destruiria o amor? O insulto que nos levaria ao Pronto Socorro, setor de traumatismo?
O OUTRO - Preferiria. Para poder dizer que não me calei. Para poder dizer "Eu disse!"
VOCÊ - Ainda bem que não é você que manda em nós.
O OUTRO - Não, é você. Sempre fazemos o que você determina. Ou não fazemos. Não dizemos. Não vivemos! Estou dentro de você, fazendo, dizendo e vivendo só em pensamento. Se ao menos eu pudesse sair aos sábados...
VOCÊ - Para que, para nos matar? Pior, para nos envergonhar?
O OUTRO - Melhor se envergonhar pelo dito e o feito do que pelo não dito e o adiado. Você sabe que cada soco que um homem não dá encurta a sua vida em dezessete dias? E cada vez que um homem pensa em sair dançando um bolero sozinho e se controla, seu fígado diminui e sua próstata aumenta? E cada...
VOCÊ - Bobagem. Ainda bem que eu sou o verdadeiro nós.
O OUTRO - Não, eu sou o verdadeiro você.
VOCÊ - Você só é nós em pensamento. Você é a minha abstração.


O OUTRO - Sou tudo o que em nós é autêntico e não reprimido. Ou seja: você é a minha falsificação.
VOCÊ - Você não é uma pessoa, é uma impulsão.
O OUTRO - Você não é uma pessoa, é uma interrupção.
VOCÊ - Mas quem aparece sou eu.
O OUTRO - Então o que eu estou fazendo neste palco, e ainda por cima de malha justa?
VOCÊ - Você só está aqui como uma velha tradição teatral, o interlocutor. Um artifício cênico, para o Autor não falar sozinho.
O OUTRO - Quer dizer que eu só entrei em cena para dizer...
VOCÊ - Preto. E eu, branco.
O OUTRO - Por que?
VOCÊ - Para mostrar à plateia que todo homem é a soma, ou a mescla, das suas contradições. Que no fim o destino comum de todos, cremados ou não cremados, não é ser branco ou preto, é ser cinza.
O OUTRO - Mostrar a quem?
VOCÊ - À pla... Onde está a platéia?!
O OUTRO - Foram todos embora.
VOCÊ - Será porque não entenderam o diálogo?
O OUTRO - Acho que foi porque entenderam.

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