Isto sucedeu há mais de10 anos atrás e me parece que foi ontem...nosso grupo de consultórios de três salas era o mesmo, mas o mobiliário e a disposição decorativa eram diferentes; usavamos ainda móveis de segunda mão, de ferro e vidro, para atendimento aos clientes, adquiridos de um colega que encerrava carreira em Nova Iguaçú. Esta foi a sorte, minha e do paciente, um português chamado de um modo original de .... Manoel, que uma bela tarde atendi. Entrou acanhado, com a esposa a tiracolo, uma mulher grande, que se sentou na ponta da cadeira, as pernas juntas, a bolsa pousada nos joelhos, o olhar fixado em mim, um cenho cerrado que eu não entendia o porquê. Perguntei ao cliente o que o trazia ali, e ele, mal à vontade, engasgado, engrolou palavras soltas, ininteligíveis para mim, mas tinha algo a ver com evacuação, coceiras 'lá atrás' e presumi logo que o melhor mesmo seria fazer-lhe um exame de toque. Passamos à sala de exames. Quando introduzi o dedo enluvado indicador esquerdo, a princípio nada...até que a ponta do dedo encontrou algo fino, sólido e circular e logo pensei numa destas tampas de talco ou desodorante. Aquele não era o momento para fazer inquirições, afinal não era um lugar comum para se aplicar desodorante, embora seja versdade que não seja dos locais de nossa anatomia dos mais aquinhoados com bons olores...e tanto mais que, graças a Deus, o 'dragão' se deixara ficar em seu lugar, na sala anterior. Com a mão direita livre, abri a porta de ferro e vidro onde havia o material necessário, uma caixa com ferros cirúrgicos. Peguei uma pinça que leva o simpático nome de Kocher, uma pinça firme, com graus de cerramento, usada normalmente para prender vasos sanguíneos em procedimentos cirúrgicos, e com o auxílio dos dedos da mão esquerda, como guia, fui introduzindo delicadamente a pinça com a mão direita, assim mesmo sem luva, até encontrar o objeto. Com o máximo cuidado, introduzi um dos ramos da pinça entre a mucosa retal e o objeto, e quando me certifiquei de que estava tudo ok fechei a pinça firmemente.
Apenas, ao exercer suave tração, a coisa não vinha. Instintivamente, comecei a fazer movimentos suaves de báscula, e também rotatórios, o que permitiu que houvesse uma passagem de ar entre as duas superfícies...e nasceu um belo exemplar de tampa de desodorante que foi prontamente envolvido em gaze, para não se resfriar...
A sorte do nosso amigo é que a introdução deixou a tampa com a parte oca para baixo, então foi possível a sua preensão.
A mulher devia desconfiar, mas eu consegui engrolar como motivo do quadro algo como fezes muito endurecidas, prescrevi um óleo mineral e uma pomada hemorroidária, ninguém me fez nenhuma pergunta e eles foram embora e nunca mais vi seu Manoel na minha frente. Há coisas que os livros de medicina não ensinam...
Tudo colaborou para um feliz desenlace: eu ser canhoto, o armário ser do tipo cristaleira e estar ao meu alcance, ter o material necessário, e o dragão não acompanhar o marido na "sala de parto"...ia ser uma cena daquelas!
Tudo colaborou para um feliz desenlace: eu ser canhoto, o armário ser do tipo cristaleira e estar ao meu alcance, ter o material necessário, e o dragão não acompanhar o marido na "sala de parto"...ia ser uma cena daquelas!
Se calhar foi o "dragão" que lhe meteu aquilo pela peidola acima!
ResponderExcluirNão acredito...se fosse ela teria levado o pobre ao roto-rooter...
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