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08 agosto 2010

Alzheimer encarado por um paciente médico


Arthur Rivin - (O Estado de S.Paulo de 03/02/2010)




Sou médico aposentado e professor de medicina. E tenho Alzheimer. Antes do meu diagnóstico, estava familiarizado com a doença, tratando pacientes com Alzheimer durante anos. Mas demorei para suspeitar da minha própria aflição.
Hoje, sabendo que tenho a doença, consegui determinar quando ela começou, há 10 anos, quando estava com 76. Eu presidia um programa mensal de palestras sobre ética médica e conhecia a maior parte dos oradores. Mas, de repente, precisei recorrer ao material que já estava preparado para fazer as apresentações. Comecei então a esquecer nomes, mas nunca as fisionomias. Esses lapsos são comuns em pessoas idosas, de modo que não me preocupei.
Nos anos seguintes, submeti-me a uma cirurgia das coronárias e mais tarde tive dois pequenos derrames cerebrais. Meu neurologista atribuiu os meus problemas a esses derrames, mas minha mente continuou a deteriorar. O golpe final foi há um ano, quando estava recebendo uma menção honrosa no hospital onde trabalhava. Levantei-me para agradecer e não consegui dizer uma palavra sequer.
Minha mulher insistiu para eu consultar um médico. Meu clínico-geral realizou uma série de testes de memória em seu consultório e pediu depois uma tomografia PET,que diagnostica a doença com 95% de precisão. Comecei a ser medicado com Aricept,que tem muitos efeitos colaterais. Eu me ressenti de dois deles: diarreia e perda de apetite. Meu médico insistiu para eu continuar. Os efeitos colaterais desapareceram e comecei a tomar mais um medicamento, Namenda.Esses remédios, em muitos pacientes, não surtem nenhum efeito. Fui um dos raros felizardos.
Em dois meses, senti-me muito melhor e hoje quase voltei ao normal. Demoramos muito tempo para compreender essa doença desde que Alois Alzheimer, médico alemão, estabeleceu os primeiros elos, no início do século 20, entre a demência e a presença de placas e emaranhados de material desconhecido.
Hoje sabemos que esse material é o acúmulo de uma proteína chamada beta-amiloide. A hipótese principal para o mecanismo da doença de Alzheimer é que essa proteína se acumula nas células do cérebro, provocando uma degeneração dos neurônios. Hoje, há alguns produtos farmacêuticos para limpar essa proteína das células.
No entanto, as placas de amiloide podem ser detectadas apenas numa autópsia, de modo que são associadas apenas com pessoas que desenvolveram plenamente a doença. Não sabemos se esses são os primeiros indicadores biológicos da doença.
Mas há muitas coisas que aprendemos. A partir da minha melhora, passei a fazer uma lista de insights que gostaria de compartilhar com outras pessoas que enfrentam problemas de memória: tenha sempre consigo um caderninho de notas e escreva o que deseja lembrar mais tarde. Quando não conseguir lembrar de um nome, peça para que a pessoa o repita e então escreva. Leia livros. Faça caminhadas. Dedique-se ao desenho e à pintura.
Pratique jardinagem. Faça quebra-cabeças e jogos. Experimente coisas novas. Organize o seu dia. Adote uma dieta saudável, que inclua peixe duas vezes por semana, frutas e legumes e vegetais, ácidos graxos ômega 3.
Não se afaste dos amigos e da sua família. É um conselho que aprendi a duras penas. Temendo que as pessoas se apiedassem de mim, procurei manter a minha doença em segredo e isso significou me afastar das pessoas que eu amava. Mas agora me sinto gratificado ao ver como as pessoas são tolerantes e como desejam ajudar.
A doença afeta 1 a cada 8 pessoas com mais de 65 anos e quase a metade dos que têm mais de 85. A previsão é de que o número de pessoas com Alzheimer nos EUA dobre até 2030.
Sei que, como qualquer outro ser humano, um dia vou morrer. Assim, certifiquei-me dos documentos que necessitava examinar e assinar enquanto ainda estou capaz e desperto, coisas como deixar recomendações por escrito ou uma ordem para desligar os aparelhos quando não houver chance de recuperação. Procurei assegurar que aqueles que amo saibam dos meus desejos. Quando não souber mais quem sou, não reconhecer mais as pessoas ou estiver incapacitado, sem nenhuma chance de melhora, quero apenas consolo e cuidados paliativos.


ARTHUR RIVIN FOI CLÍNICO-GERAL E É PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA

4 comentários:

  1. Bárbaro! Mais esclarecedor que muita reportagem que li a respeito. Minha mãe morreu aos 82 com CA anal, mas tinha também o alzheimer que começou a se manifestar aos 70 anos. Realmente é uma doença dificil.

    Mas cara, gostei do seu blog e vou segui-lo se nao se importar é claro.
    E adorei seu relogio da entrada!! Onde conseguiu? Me empresta?
    beijos e parabéns!

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  2. Obrigada por mostrar isso!
    Minha mãe está com suspeita de Alzheimer há uns 2 anos. Mas de muito mais tempo prá cá venho passando maus pedaços com ela e me sinto completamente sozinha diante desse enigma que se tornou minha mãe.
    Todo o suporte médico , neurológico , psquiátrico, clínico etc , é limitado .
    Há um estigma enorme emtorno da doença , que faz com que até mesmo os médicos resistam a querer investigar e reconhecer o mais breve possível alguns sinais da doença.
    POr minha experiência com minha mãe, tenho a sensação de que os próprios médicos agem de 2 formas diante da possibilidade do diagnóstico:
    Ou fatalizam a situação e não se envolvem com a angústia do paciente e principalmente dos seus familiares em busca de respostas e informações sobre a doença , ou "negam" o seu início como forma de tentar evitar o máximo possível a angústia antecipada à todos(inclusive à ele mesmo).
    Toda literatura que encontro normalmente são relatos de experiências de familiares muito próximos (como eu) que passaram pela experiência desestruradora de conviver com uma pessoa que não reconhecemos mais .Porém isso só trás um certo conforto em saber que os sentimentos (bons e maus)que surgem em nós acompanhantes familiares ou não, são reações naturais de respostas a algo desconhecido.
    Os grupos de ajuda , dão apoio , mas minha busca é de alguma coisa nova , qualquer coisa que me faça "compreender " um pouco melhor esse planeta alienígena que se transformou minha casa.
    E para isso só mesmo um alíenígena para me dizer algo a esse respeito, onde colocar o vaso de flores agora? pois sobre a mesa gera tanto conflito que fico com o vaso na mão durante dias , exausta,sem saber onde colocar . rs
    E sem falar essa nova língua e sem saber como decodificar os novos termos de vida da minha mãe, o que sofra é muita loucura, sofrimento e abandono. Pois a família em torno e os amigos se afastam ( para se protegerem ?) desse novo estado de coisas . Mas alguém tem que ficar... eu fiquei, e vou ficar.
    Então encontrar algo assim como essa matéria , arrumadinha para nós , destacada como algo precioso é inédito e me faz ter esperança que existem pessoas sensíveis que não precisam estar estreitamente ligadas ao problema para se sensibilizarem e verem nesse artigo algo incomum e original e o mais importante , algo que trás uma contribuição singular para a compreensão da doença, pois é o Alien falando sobre seu planeta.
    Esse maravilhoso ser que humildemente tenta escrever o seu alfabeto , pois sabe que novos contemporaneos precisarão viver nesse novo lugar.
    Eu como um dos humanos a fazer contato com tais seres, e desejar visitá-los em muitos momentos também preciso aprender essa nova linguagem , pois sei que isso diminuirá as chances de Conflitos e sofrimento, e aumentará a compreensão e a compaixão entre mim e a pessoa que um dia já foi tudo para mim.
    Obrigada!
    Voltarei sempre.( desculpem os erros , não revisei)
    Si

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  3. Minha mãe tem Alzheimer e está sendo muito difícil para eu aceitar e conviver. Estou lutando com muitos sentimentos. Agradeço pelo artigo, é fantástico e lançou-me uma luz, obrigada.

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  4. Um artigo excelente,gostaria de publicar em meu blog se possivel seu depoimento muito esclarecedor,com a intenção de propagar, alertar.Meu pai tem 76 anos e a doença está se manifestando muito rapido, mesmo com medicamentos,enfim,encontro aqui uma cartilha de sobrevivência a essa cruel doença.Obrigada.

    ALZHAIMER!
    Chego sorrateiro na companhia do tempo, que precariamente lhe consome.
    Infiltro-me no processo de envelhecimento, me fazendo natural em seu esquecimento,em sua desorientação do não lembrar, mas, meu objetivo maior é destruirprogressivamente seus neurônios,
    é lhe deixar em completa apatia,sem motivo,levar à depressão aparente,se possível roubar-lhe seu juízo e critica,na confusão de seu raciocínio.Tornar-se sua incessante ansiedade,
    sua inquietação, sua agressividade.
    Desorganizar seu sono e seus pensamentos em delírios.
    Dificultar sua locomoção, lhe deixar em total dependência.Roubar-lhe sua funcionalidade, seu cognitivo racional, encolher seu cérebro.
    Sou o mal crônico a causar sofrimento,
    Posso também ser precoce, esteja atento.
    Sou... ALZHAIMER!

    Lufague

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