SEGUIDORES

03 dezembro 2010

ENFIM VELHO (dos primeiros posts deste blog)



Pois é certo que o Homem se divide em cabeça, tronco e membros. Os três segmentos caminham juntos, harmônicos, solidários, pela estrada em declive da degradação e nem nos apercebemos disto...Ou talvez aqui e acolá tenhamos noção de que algo não está lá muito legal, mas ignoramos a panorâmica do processo. De súbito, ao cabo de algum processo diagnóstico, fruto de um exame mais acurado a que nos submetamos, a luz se faz e nos conscientizamos da realidade: estamos um caco. Em todos os distritos as luzes de alarme se acendem e apagam, frenéticas. Como num painel de companhia de aviação, no aeroporto, aparecem aos nossos olhos, em colunas e verticalmente dispostos, todos os achaques que nos agridem, às vezes até silenciosamente e há anos: CALVÍCIE INCIPIENTE E PROGRESSIVA, SURDEZ, CADA VEZ MAIS EVIDENCIADA, MICOSE REBELDE NOS PAVILHÕES AUDITIVOS, MIOPIA, ASTIGMATISMO E PRESBIOPIA, CONSTIPAÇÃO INTESTINAL, DENTES ARRANCADOS E IMPLANTE DENTÁRIO, SEQUELAS PERSISTENTES DE UMA PARALISIA FACIAL, HIPERTENSÃO ARTERIAL, ESCOLIOSE DORSO LOMBAR (ESTA VEM DESDE PRISCAS ERAS) BROCHURA CRÔNICA ( PREPONDERANTEMENTE IATROGÊNICA- (quer dizer, causas médicas) HIPERTROFIA PROSTÁTICA (POR ENQUANTO COMPENSADA) COLELITÍASE E COLECISTITE CRÔNICAS

HIPERTROFIA HEPÁTICA E ESTEATOSE PASSADO DE HEPATITE B GASTRO ENTERITE AGUDA RECENTE HÉRNIA UMBELICAL (OBLITERADA PELA MÃE NATUREZA) HÉRNIA DA LINHA BRANCA(acima do umbigo) PERDA PROGRESSIVA DOS PELOS DO CORPO POR DEFICIT HORMONAL

("perninhas de Marlene Dietrïch"), CONSTIPAÇÃO INTESTINAL, PSICOSE DEPRESSIVA.

E é “só”.

Só? Isto pensava eu...
Na linha de montagem para operar a vesícula biliar, tirei 45 dias
para melhor me preparar: eu precisava emagrecer, mudar a medicação cardiológica para a hipertensão, começar a dar umas caminhadas...Julgando-me enfim preparado, à luz dos meus exames pré-operatórios e a avaliação do risco cirúrgico, marcamos a cirurgia que foi feita no dia 17 de janeiro deste 2005.
A cirurgia foi primorosa, o cirurgião, videolaparocirurgião melhor dizendo, e meu colega de consultório, me botou no Centro de Tratamento Intensivo ou sei lá que nome ou sigla tenha aquilo, apenas por precaução(sic).

Quando voltei a mim da anestesia, dei de cara com um ambiente totalmente diverso do quarto de onde eu saíra cheio de graças...à minha frente um velho recheado de tubos, respiradores, o escambau, à direita uma senhora, mais aparelhos, biombos, à esquerda outra pessoa... e aquilo foi um choque pra mim.Onde me meteram? que estava eu a fazer ali naquele antro verde? Pois todo mundo que eu conheci se operava daquela mesma operação e com uma semana estava passeando no shopping...que sacanagem aquela?!

Lembro que tentei urinar e não consegui, pedi que me passassem uma sonda de alívio e sairam 2,5 litros de urina amarela muito sadia.

A seguir, com aquele manguito desgraçado no meu braço direito inflando e esvaziando, a cada 5 minutos, senti uma dor fortissima na parte alta do abdome, dor em barra, em queimação, e chamei a enfermeira. Quando veio, informou-me, por traz da minha papeleta, que não 'havia nada prescrito para aquela dor'...
Lembro-me de ser levado a uma sala ali perto, onde, depois fui saber, me fizeram um cateterismo cardíaco.
As enzimas haviam acusado que eu infartara e o cateterismo o confirmou.

Voltei para o meu quarto, e como eu me sentia bem de todo, não aguentei ali mais que dois dias e exigi alta hospitalar. Ser médico tem certas vantagens, uma delas é que te ouvem...

No final da tarde veio um jovem doutor que informou ser assistente da Cardiologia, me deu uma receita com um monte de remédios e um cartão do consultório do médico que me atendera naquele antro de desesperos sem eco, que ficava na Barra, num daqueles Edifícios Profissionais.

A cujo consultório obedientemente fui levado, dalí a alguns dias. Ele colocou no computador o CD da minha coronariografia, explicou que eu deveria fazer uma medicação entre 15 e 30 dias e depois seria feita nova avaliação para saber se eu 'entrava na faca' (cirurgia cardíaca) ou não. Imprimiu a lista de medicamentos, e ao me explicar com o papel na mão finalizou, demonstrando uma tremenda inabilidade em lidar com seres humanos e sua psiquê:

"E este é o Isordil sub-lingual...se v. sentir dor, ponha um comprimido debaixo da lingua, espere 15 minutos, se não passar coloca outro, vai para o hospital e me telefona..."

Quando acabou a consulta eu já havia entrado em parafuso, entrei num processo de depressão que nunca sentira antes, e a coisa ficou tão feia que até a psiquiatra tive de recorrer.Fiquei 3 meses sem trabalhar, tudo o que eu fazia era ficar na cama.Totalmente entregue. Graças aos esforços de meu irmão, fui levado a um cardiologista por coincidencia do meu prédio de consultórios, que retirou grande parte daquela medicação que foi considerada abusiva, exagerada e conflitante, fez uma prescrição racional e me trouxe uma grande tranquilidade ao afirmar: "no momento da coronariografia v. sabe se o caso é ou não cirúrgico...e o seu não é, porque v. tem uma circulação colateral muito rica..."

Hoje, as melhoras acentuadas, estou trabalhando normalmente, a depressão se esfuma, mas o episódio mostrou-me que a gente deve ser humilde, entender que é uma benção encontrar médicos devotados e bem intencionados, porquê em última análise, nós somos apenas cascas, e elas vão ficando cada vez mais frágeis....

Como diria Rudiyard Kipling, ao ler este relato: “Sois um velho, meu filho...”

Postado por hesseherre às Sexta-feira, Setembro 01, 2006

4 comentários:

  1. Meu amigo.
    Eu sabia um pouco dessa sua história.Essa barra que você passou, deve ter algum valor na vida espiritual.Só assim, eu consigo aceitar histórias como a sua.Não vejo outra explicação para um médico tão "humano" como você sempre foi, ter que passar por tudo isso.Ir ao seu consultório, com dúvidas, medo do desconhecido e ser recebido com tanto carinho e dedicação.Era o ínicio de uma consulta feliz e de um longo relacionamento médico/paciente.
    Passou... assim é o tempo!
    Peço a Deus que lhe abençõe e lhe de a paz.
    Do amigo/paciente e admirador.
    Aloysio Alberto

    ResponderExcluir
  2. Amigo Aloysio eu tive muito prazer em atender v. no consultório e lembro de seu papai com muito carinho até hoje, que figura admiravel...esta nossa amizade se solidificou de vdde....

    ResponderExcluir
  3. De mente não, és mais novo que eu

    um beijinho

    Gábi

    ResponderExcluir
  4. Pode ser verdade, Gabi, eu simplesmente não aceito a idade que tenho, botemos lá 20 anos menos, kkkkk

    ResponderExcluir

MESMO QUE NÃO TENHA TEMPO COMENTE. SUA VISITA É
MUITO IMPORTANTE E SEUS COMENTÁRIOS TAMBÉM...
ANÔNIMOS ACEITOS, DESDE QUE NÃO OFENSIVOS. UMA COISA IMPORTANTE: AS CAPTCHAS NÃO TÊM DIFICULDADE PARA AS PESSOAS. AS LETRAS OU SÃO MAIÚSCULAS OU MINÚSCULAS, NÚMEROS SEMPRE IGUAIS. CASO NÃO ENTENDA HÁ UMA RODINHA PARA V. MUDAR ATÉ ACHAR MELHOR.OBRIGADO.