Como quem rouba
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Não é coincidência. Uma é consequência da outra, causa e efeito da desmoralização: a foto do palhaço de 1 milhão de votos em visita ao seu novo local de trabalho dividindo espaço nas primeiras páginas dos jornais de ontem com o noticiário sobre o aumento de até 149% aprovado pelo Congresso para os parlamentares, ministros e presidente da República.
O problema não é o aumento em si. Salários precisam ser reajustados. Principalmente os de ministros de Estado estavam mesmo defasados: cerca de R$ 10 mil.
A questão é a total ausência de bom senso quanto à forma de aprovar - lembrando o dito "rápido como quem rouba" - os porcentuais exorbitantes ante os índices da inflação e a necessidade de contenção de gastos públicos, a indiferença quanto ao resultado disso tudo na relação do Congresso com a sociedade.
Ademais, há sempre a desfaçatez. Suas excelências realmente se lixam para a opinião do público.
O último reajuste salarial do Congresso ocorreu em 2007.
De lá para cá ocorreram situações que tornam injustificável o aumento de 61,8% para os parlamentares, sendo a mais objetiva a inflação acumulada em menos de 20%. Um terço do porcentual autoconcedido.
Em matéria de privilégio não há nada igual: qualquer pessoa normal recebe aumento por ato de outrem e, em geral, por merecimento ou fruto de negociação.
Com o Congresso basta a decisão dos beneficiados, a articulação à sorrelfa e a escolha da data aos sussurros de maneira a pegar todos de surpresa. Em menos de meia hora.
"Como quem rouba", reza o dito.
"Como quem rouba", reza o dito.
E fizeram assim justamente porque sabiam que haveria reação. Que, se comunicassem antes à sociedade, a pressão contrária deitaria o plano por terra.
E por que será? Por pura implicância é que não haveria de ser. Na condição de contratante desse pessoal, o público não tem visto razões de merecimento para dar de bom grado não esse exorbitante, mas qualquer reajuste.
À exceção da aprovação da Lei da Ficha Limpa, o que mais fez o Congresso Nacional nesta última legislatura para atender ao clamor social em prol da melhoria dos costumes na política?
Da farra das passagens aéreas à farra das emendas ao Orçamento, o que se viu foi o aprofundamento do fosso em que o Parlamento brasileiro insiste em chafurdar até que um curto-circuito qualquer dê por si um jeito na situação, com o risco de não ser o melhor jeito.
No primeiro escândalo da legislatura, o presidente da Câmara e o presidente do Senado, ambos do PMDB hoje com assento na Vice-Presidência da República, prometeram medidas saneadoras.
Não cumpriram - e aí sempre existe a desculpa de que fazem o que "a Casa" quer. Como se tivessem sido eleitos para se comportar como Marias que vão com as outras.
Pior: abandonaram o compromisso de acabar com verbas extras assim que houvesse reajuste salarial.
Assim, parlamentares ficam com salários reajustados ao teto do funcionalismo, equiparados aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, mais as verbas de gabinete, despesas pagas com passagens, telefone, correio, auxílio-moradia, serviço médico do melhor e semana de três dias úteis.
Isso para dar um vexame atrás do outro e ainda contar com o entusiasmo do palhaço de 1 milhão de votos - "cheguei com sorte!" - e a complacência debochada do presidente da República lamentando que "o Lulinha aqui ó..." tenha ficado de fora da farra.
Creiam todos que na verdade Tiririca é o mais legítimo representante deste povo sofrido.
ResponderExcluirAfinal, todos somos palhaços e 'eles' são os inteligentes que se aproveitam de quem não se defende.