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20 maio 2011

do Blog Apimentário, sobre o fime "J'ai tué ma mère"



Diário de um adolescente


Eu matei a minha mãe atuou com bastante polêmica e força emocional quando foi lançado por expor a realidade humana como ela é — a trama dirigida e com roteiro de Xavier Dolan, que também protagoniza sua obra, é um filme expressivo que lida com a conturbada relação familiar. A história do jovem Hubert (Dolan) de 16 anos, homossexual convicto, angustiado com a dificuldade de lidar com sua mãe Chantale (Anne Dorval), inseriu reflexões/discussões em diversos países onde o filme foi lançado. Compreender esse universo familiar, a relação dialogal de ódio extremo e amor confuso, é o foco argumentativo do roteiro que assume contornos narrativos contundentes, até cruéis. Xavier Dolan escreveu o roteiro, baseado em vivências próprias de sua vida íntima, antes mesmo dos 20 anos de idade. Obviamente, o filme funciona como parâmetro para reflexões sobre as relações de jovens com os entes familiares, mas vai além ao colocar maiores problemáticas comportamentais como a diversidade da sexualidade. No filme, Hubert lida com sua puberdade de maneira tumultuada, pois não controla a rebeldia, nem mesmo a harmonia dentro de sua casa, ao se digladiar, constantemente, com sua mãe — como entender a puberdade, sob a ótica materna? E como um jovem não consegue manter um elo de união e cumplicidade com a única pessoa que esteve sempre ao seu lado? Existem maiores traumas, secretos, em torno disso? O filme foca nesse relacionamento histérico de filho com mãe, mas vai além.

A trama é articulada sob as perspectivas do personagem Hubert que assume a narrativa — os habituais "slow-motion" são colocados à favor da narrativa, já que o roteiro é o retrato do que o personagem sente e visualiza. Inúmeras tomadas em câmera lenta demonstram as sensações do protagonista, bem como os recortes na narrativa que aplicam depoimentos dele na câmera; como se Hubert comungasse com o público sobre suas fragilidades, temores e insatisfações em relação a sua mãe. A história toda se centra nessas constantes brigas e agressões de filho com a mãe, totalizando em momentos de grande tensão e alto teor dramático. A câmera centra-se nessa dimensão angustiante ao expressar a dificuldade de diálogo entre filho e mãe; duas pessoas que jamais entram em sintonia, perderam a proximidade. E o roteiro não torna nada maniqueísta, pelo contrário, as situações evidenciam muito bem os discursos de cada um. Entendem-se as dificuldades de Hubert, porém há uma profundidade na personalidade de sua mãe; cada psicológico é bem delineado.

A sexualidade ferve por questões óbvias. Há a homossexualidade notória de Hubert — fica evidente que o jovem tem um alto posicionamento libidinal, um comportamento transgressor, atitude sexualizada. O roteiro não o inibe ao construir cenas de homoafetividade, como quando Hubert aparece em momentos afetivos ou mesmo sexuais com seu namorado Antonin (François Arnaud) — cenas de sodomia, beijos gays e diálogos sensuais bem conceituados demonstram que a temática queer é priorizada aqui. A sensualidade é bem dosada dentro dessas sequências. Ademais, Xavier Dolan explora também questões que envolvem esse universo sexual, insere situações pequenas sobre traição — Hubert é mandando ao colégio interno pela mãe opressora e lá tem sua fidelidade testada ao ser seduzido por outro garoto. O espaço para a discussão sobre homofobia é também utilizada, além de todo o filme funcionar como um discurso sobre identidade homossexual; a busca pela auto-aceitação perante uma sociedade ainda preconceituosa. Há ainda pautado a dificuldade de um filho assumir sua opção sexual para sua mãe, e essa questão é bem pontuada ao longo do filme.

A caracterização das cores — a fotografia é um recurso imagético sempre priorizado por Xavier Dolan — é papel fundamental no desenvolvimento da narrativa. As cores avermelhadas, tons escuros de neon, toda a técnica das luzes em torno dos atores, fecunda um trabalho ainda mais luminoso. Os diálogos assumem força em momentos onde o elenco improvisa e expressa um tom ainda mais naturalizado, é como se a realidade ali fosse tangível. Esse é o papel fundamental da arte cinematográfica, convencer de que aquilo é uma realidade. Como fez no seu segundo filme, "Amores Imaginários", Xavier Dolan utiliza de sua escrita para fomentar momentos onde pode brilhar como ator — e é neste seu primeiro trabalho aqui que se pode observar como é talentoso, emocional e agressivo na interpretação. Suas cenas de ironia, acidez e malícia comprovam o quão promissor é. Os duelos verbais dele com a atriz Anne Dorval são provocativos, eufóricos e de grande intensidade histérica. O cuidado com a direção de arte e com a montagem é evidente também, assume um estilo próprio de Dolan como novo expoente da cinegrafia atual. Mais que um exercício dramático realista da existencialidade da juventude, é um filme que sensibiliza pelo tom sentimentalista. Belo début, ousado e trabalho inspirador.


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