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29 maio 2011

O caseiro do Piauí e a camareira da Guiné


O caseiro do Piauí e a camareira da Guiné

Da coluna de Augusto Nunes:


Esse texto, excelente, nos dá a idéia

do país em que vivemos.
Realmente, é muito triste e doloroso
"ser brasileiro e honesto".


Nascido no Piauí, Francenildo Costa era caseiro em Brasília. Em 2006,
depois de confirmar que Antonio Palocci frequentava regularmente
a mansão que fingia nem conhecer, teve seu sigilo bancário estuprado
a mando do ministro da Fazenda.

Nascida na Guiné, Nafissatou Diallo mudou-se para Nova York em 1998
e é camareira do Sofitel há três anos. Domingo passado, enquanto arrumava
o apartamento em que se hospedava Dominique Strauss-Kahn, sofreu um ataque
violento do diretor do FMI e candidato à presidência da França, que
tentou estuprá-la.

Consumado o crime em Brasília, a direção da Caixa Econômica absolveu
liminarmente o culpado e acusou a vítima de ter-se beneficiado de um estranho
depósito no valor de R$ 30 mil. Francenildo explicou que o dinheiro fora enviado pelo pai.
Por duvidar da palavra do caseiro, a Polícia Federal resolveu
interrogá-lo até admitir,
horas mais tarde, que o que disse desde sempre era verdade.

Consumado o crime em Nova York, a direção do hotel chamou a polícia, que ouviu
o relato de Nafissatou. Confiantes na palavra da camareira, os agentes da lei
descobriram o paradeiro do hóspede suspeito e conseguiram prendê-lo
dois minutos antes da decolagem do avião que o levaria para Paris,
e para a impunidade perpétua.

Até depor na CPI dos Bingos, Francenildo, hoje com 28 anos, não sabia quem era
o homem que vira várias vezes chegando de carro à “República de Ribeirão Preto”.
Informado de que se tratava do ministro da Fazenda, esperou, sem medo, a hora
de confirmar na Justiça o que dissera no Congresso. Nunca foi chamado
para detalhar
o que testemunhou. Na sessão do Supremo Tribunal Federal que examinou o caso,
ele se ofereceu para falar. Os juízes se dispensaram de ouvi-lo.
Decidiram que Palocci
não mentiu e que as contundentes provas eram insuficientes para a
aceitação da denúncia.
Depois da captura de Strauss, a camareira foi levada à polícia para fazer
o reconhecimento formal do agressor. Só então descobriu que o estuprador
é uma celebridade internacional. A irmã que a acompanhava assustou-se.
Nafissatou, muçulmana de 32 anos, disse que acreditava na Justiça americana.

Sempre jurando que tudo não passara de sexo consensual, o acusado
foi soterrado pela montanha de evidências e, depois de trocar o terno
pelo uniforme de prisioneiro, recolhido a uma cela.

Nesta quinta-feira, Francenildo completou cinco anos sem emprego fixo.
Até agora, ninguém se atreveu a garantir a estabilidade financeira do caseiro
que ousou contar um caso como o caso foi.
No mesmo dia, Palocci completou cinco dias de silêncio: perdeu a voz
no domingo,
quando o país soube do milagre da multiplicação do patrimônio.
Pela terceira vez em oito anos, está de volta ao noticiário político-policial.
Enquanto se recupera do trauma, a camareira foi confortada por um comunicado
da direção do hotel: “Estamos completamente satisfeitos com seu trabalho
e seu comportamento”, diz um trecho.
Estimuladas pelo exemplo da imigrante africana, outras mulheres confirmaram que
a divindade do mundo financeiro é um reincidente impune.

Nesta sexta-feira, depois de cinco noites num catre, Strauss pagou a fiança
de 1 milhão de dólares para responder ao processo em prisão domiciliar.
Até o julgamento, terá de usar uma tornozeleira eletrônica.

Livre de complicações judiciais, Palocci elegeu-se deputado, caiu nas graças de
Dilma Rousseff e há quatro meses, na chefia da Casa Civil, faz e desfaz
como primeiro-ministro. Atropelado pela descoberta de que andou ganhando
pilhas de dinheiro como traficante de influência, tenta manter o emprego.
Talvez consiga: desde 2003, não existe pecado do lado de baixo do equador.
O Brasil dos delinquentes cinco estrelas é um convite à reincidência.
Enlaçado pelo braço da Justiça, Strauss renunciou à direção do FMI, sepultou
o projeto presidencial e é forte candidato a uma longa temporada na gaiola.

Descobriu tardiamente que, nos Estados Unidos, todos são iguais perante a lei.
Não há diferenças entre o hóspede do apartamento de 3 mil dólares por dia
e a imigrante africana incumbida de arrumá-lo.

Altos Companheiros do PT, esse viveiro de gigolôs da miséria, recitam
de meia em meia hora que o Grande Satã ianque é o retrato acabado
do triunfo dos poderosos sobre os oprimidos.

Colocados lado a lado, o caseiro do Piauí e a camareira da Guiné
gritam o contrário.

Se tentasse fazer lá o que faz aqui, Palocci não teria ido além do 1º
item do prontuário.
Se escolhesse o País do Carnaval para fazer o que fez nos Estados Unidos,
Strauss só se arriscaria a ser convidado para comandar o Banco Central.

O azar de Francenildo foi não ter tentado a vida em Nova York.
A sorte de Nassifatou foi ter escapado de viver num Brasil que absolve
o criminoso reincidente e castiga quem comete o pecado da honestidade.

2 comentários:

  1. Até para sofrermos temos de ter sorte com o sítio...

    ResponderExcluir
  2. hesseherramigo

    «O pecado da honestidade» - adorei. O testículo, com x é mesmo bom. Por cá também temos coisas dessas. Aliás, por todo o Mundo; mas o nosso éke nos doi...

    Abç

    ResponderExcluir

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