Foi, ao menos para o Brasil, a primeira Copa do Mundo transmitida ao vivo pela televisão e a última em preto e branco. Nunca, porém, uma seleção verde e amarela brilhou tanto ou apresentou futebol tão colorido. Depois do monumental fiasco de 66, na Inglaterra — quando os bicampeões do Mundo acabaram eliminados na primeira fase do Mundial, após duas vergonhosas surras diante da Hungria e de Portugal — só mesmo um time de feras para recuperar o prestígio e a auto-estima de nosso futebol. E foi exatamente isso o que fez João Saldanha, à época o jornalista esportivo mais famoso do país. Surpreendentemente convocado pela CBD para dirigir o scratch canarinho nas eliminatórias de 1969, ele aceitou o desafio com apenas uma palavra:
— Topo!
E em sua primeira entrevista coletiva foi logo colocando as garras de fora.
— Que canarinhos, que nada! Comigo serão 22 feras em campo.
Sem papas na língua, o "João sem medo" trocou o apelido do time e justificou a mudança em campo. Formando uma seleção com base nas equipes do Santos, de Pelé, e do Botafogo, de Gérson e Jairzinho, o técnico conseguiu, de fato, formar um grupo muito forte e que se classificou, para o Mundial de 70, jogando um futebol talentoso, empolgante e, acima de tudo, corajoso: a cara de seu comandante. Tudo parecia ir às mil maravilhas, mas, às vésperas da Copa, começaram os problemas. Homem de temperamento irascível e de convicções políticas radicais — era comunista "de carteirinha" — João nunca fez rapapés para a ditadura militar que então governava o país. Pior, no dia que o presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici, resolveu fazer um comentário, dizendo que gostaria de ver Dario "Peito de Aço" — limitado centroavante do Atlético Mineiro — na seleção, Saldanha não fez por menos:
— O general nunca me ouviu quando escalou o seu Ministério. Por que, diabos, teria eu que ouvi-lo agora?
João assinava, naquele momento, a sua sentença. E a execução foi facilitada por algumas outras brigas que acabou arrumando dentro e fora da seleção. Fora, com o então treinador do Flamengo, Iustrich — o "Homão" (Saldanha chegou a invadir a concentração do clube, armado, para tomar satisfações com ele); dentro, com ninguém menos do que Pelé — o Rei do Futebol:
— O negão tem um problema muito sério! — revelou, em tom grave, na televisão.
— O crioulo está ficando cego — confidenciou a amigos, justificando uma possível (e até então impensável) barração.
Nem teve tempo para isso. Após diversas apresentações ruins e já em crise, a seleção foi a Moça Bonita (subúrbio do Rio), enfrentar o frágil time do Bangu. Era mais um amistoso da fase pré-Copa e o vexaminoso empate em 1 x 1 selou de vez a sorte do técnico.
— João, a comissão está "dissolvida" — comunicou-lhe, após o amistoso, um dos diretores da CBD, Antônio do Passo.
— Não sou sorvete para ser dissolvido. Passar bem — disse, João, momentos antes de abandonar definitivamente a seleção e retornar ao seu posto de "comentarista mais ouvido do Brasil".
Começava a era Zagallo (que com uma ou outra interrupção, se estendeu até a Copa de 98). Bicampeão do mundo, como ponta-esquerda em 1958 e 1962, o então técnico do Botafogo era, além de inegavelmente competente, um bom político. Qual foi sua primeira providência? Convocar cinco novos jogadores — entre eles Dario "Peito de Aço", o "Dadá Maravilha", xodó do presidente-general. Dadá, na verdade, nem sequer ficou no banco de reservas nos jogos da Copa. Mas estava lá, nos treinos e na concentração, divertindo todo mundo com suas tiradas espirituosas e, principalmente, alegrando o presidente-torcedor, que fazia questão de ser fotografo pela imprensa, nos estádios, com o radinho de pilha colado ao ouvido.
O nome de João Saldanha voltou ao noticiário com a nova era Dunga. Isso porque o atual técnico da seleção brasileira chegou à sua oitava vitória seguida em oito jogos, ao bater o Chile por 1 a 0 neste domingo, em Londres. Desde 1969, com João Saldanha, um treinador não alcançava o mesmo feito.
Demissão. Saldanha se recusou a convocar Dario, centroavante favorito do general Médici
Demissão. Saldanha se recusou a convocar Dario, centroavante favorito do general Médici Arquivo/09-03-1970