Já venho desde o princípio do mundo
E colho num olhar a lua turva.
Os braços das árvores já não chegam para me abraçar
E a noite traz com ela a antiga bruma.
Já adormeci espiando raízes
E a nítida frouxidão das pedras
nuas.
Conhecem-me os muros férteis de heras e de musgos
Mas estiram-me a alma para longe daqui.
Eu sei que já vivi o destino das roseiras bravas
E os caminhos por onde escorria o mel das flores.
Já fui a sombra de Deus antes da noite e do dia
E agora sou o pó que cobre as cerejas maduras.
09-12-2011 Isabel Vieira
Morri de espanto quando o pó das cerejas se tornou água e as pedras, afundadas nas raízes dos salgueiros, cantaram…
ResponderExcluirJá venho!
Mil obrigadas
Sérgio:
ResponderExcluirVou-te contando as horas como quem faz colares de flores. Os minutos e os segundos também contam. É neles que se perde o cheiro a maresia.
Se quiseres, escuta:
Momento
Da crisálida a solenidade das coisas inexplicavelmente paradas
O destino labiríntico das sombras nas flores das lagerstroemias
O mutismo incólume da diáspora
O papel já se desdobrou e a mulher pariu a sua própria existência em semi- breves
Há uma oitava nota que ninguém conhece
Excepto os noitibós escondidos entre as sebes.
10-08-2012
Isabel Vieira
E são 20h e 12m
Isabel, me explica aí o que são LAGERSTROEMIAS e NOITIBÓS?
ResponderExcluirSão palavrões lusos?..
Lagerstroemias são árvores que também existem no Brasil. Dão umas flores cor-de-rosa e têm o tronco muito liso.
ResponderExcluirNoitibós são pirilampos.
Beijinho para ti!
Olha, Sérgio, estive por aqui a ver as "minhas coisas". Tenho tanto de mim, dentro e fora de mim! Não sei como é que isto acontece! Há uma coisa que verifico. Todos os dias, mudo. E isso revela-se na minha escrita. Ando a ficar mais realista e tento fugir da metáfora.
ResponderExcluirSó que há coisas antigas que ainda moram em mim, agora.
É um desses belos momentos que te vou enviar. É claro que voltarei para ler as tuas coisas. Já sabes!
Amarelo e laranja varridos como se fossem coisas banais
Caminhos e umbrais de terra batida em que se invertem sóis
Portões desengonçados e saltos de gazela
Erguem-se em paredes de vidro e claustros de papel
A chuva é como um corcel onde se transfiguram formas
Em traços lazúli embutidos em clareiras mais doiradas do que o mel.
Ainda assim crescem sombras verdes por detrás da lua
Quando passos dispersos se embrulham em cortinas cruas
Tombados sobre as ervas ficam os desenhos das mãos
E os contornos indistintos das coisas que fazemos sem esperar
Como se a vida que nos resta não bastasse
Para reinventar novos umbrais de paredes de terra em tons de pastel
21/11/2009
Isabel Vieira
Beijos