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17 agosto 2012

CRISTIANE SEGATTO de ÉPOCA, SUPER INFORMATIVA COMO SEMPRE.

CRISTIANE SEGATTO  Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo. (Foto: ÉPOCA)

Ah, se a hepatite fosse a aids...

Se as doenças do fígado afetam muito mais gente, 

por que só temos olhos para o HIV?

CRISTIANE SEGATTOCRISTIANE SEGATTO Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 17 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais e internacionais de jornalismo. Entre em contato: 
Algumas doenças assustam e comovem. Outras, não. A razão nada tem a ver com a real ameaça que elas representam. Tudo é uma questão de percepção. O que determina se a sociedade vai se apavorar ou negligenciar depende, em grande parte, da forma como a história é contada e registrada.
Para um poeta do início do século XX, sofrer de tuberculose era quase que um sinal de distinção. A doença que matou Franz Kafka e George Orwell e influenciou a obra do modernista Manuel Bandeira chegou a ser considerada um estímulo à criatividade. Hoje ela é erroneamente percebida pela sociedade como um mal dos pobres.
A doença é a mesma, o bacilo causador é o mesmo (embora tenha se tornado mais perigoso e resistente aos medicamentos), mas a sensação de que a classe média abastada e esclarecida está protegida contribui para a expansão da pandemia que mata 1,7 milhão de pessoas no mundo a cada ano. Qualquer um pode pegar a doença. No ônibus, no metrô, no avião. Pouco ouvimos falar sobre ela.
O mesmo silêncio letal acomete as hepatites. Pelo menos 1,5 milhão de brasileiros têm um dos vírus causadores da doença. Essa é uma estimativa bastante conservadora. O número real de infectados pode chegar a 5 milhões. A maioria nem desconfia. O vírus pode permanecer 20 anos no organismo sem dar nenhum sinal. Quando é descoberto, a infecção já provocou cirrose hepática ou câncer.
Nesses casos, quase sempre o destino dos doentes é a fila de transplantes – a mais cruel de todas. Um fígado é mais disputado que um coração ou os rins. A maioria dos pacientes morre antes de conseguir o transplante.
Não existe remédio capaz de reavivar as funções de um fígado que entrou em falência. O problema é gravíssimo, mas pode ser evitado. O que salva é o conhecimento e a prevenção. Preparei um guia simples sobre as principais formas da doença (logo abaixo). Se achar que ele é útil, espalhe. É a contribuição que eu e você podemos dar. Ela está ao alcance de um clique.
 Outra coisa que está ao nosso alcance é questionar as escolhas do Ministério da Saúde em relação às campanhas de esclarecimento. Se as doenças do fígado afetam muito mais gente, por que só temos olhos (e dinheiro) para o HIV?
O vírus da hepatite B também é transmitido sexualmente e é cem vezes mais contagioso que o da aids. Quantas campanhas sobre aids você se lembra de ter visto? E sobre hepatite?
Não quero sugerir que as pessoas deixem de se preocupar com a aids. Ela é uma doença gravíssima, que pode e deve ser evitada. Os portadores do HIV merecem continuar recebendo o tratamento que conquistaram a duras penas, mas é preciso entender que hoje as hepatites são um problema muito maior para o Brasil que a aids. Elas deveriam receber a mesma atenção que a aids recebe. No mínimo. 
O impacto emocional que a simples menção à palavra aids causa na sociedade é compreensível. As humilhações, o estigma e o pavor provocado por essa doença ainda estão muito presentes no imaginário popular.
Quando os primeiros casos de aids foram descritos, nos Estados Unidos, a reação americana ficou entre a indiferença e a hostilidade. As vítimas, em geral homossexuais de Nova York e Los Angeles, eram rotineiramente expulsas de casa, demitidas do trabalho e tinham assistência médica negada. Morriam pelas ruas. A doença era chamada pejorativamente de "peste gay".
Os gays eram demonizados pelos conservadores. Entrou para a História o artigo de 1983 no qual Pat Buchanan, então consultor do então presidente, Ronald Reagan, afirmava: "Pobres homossexuais, declararam guerra à natureza e agora a natureza lhes dá o troco".
O presidente Reagan não tocou no assunto em público nos primeiros quatro anos da epidemia. Só se dirigiu à nação em 1985, quando mais de 12 mil americanos já haviam morrido de aids. A doença matou mais americanos que qualquer conflito armado, da Segunda Guerra Mundial ao Iraque.
Quando a aids apareceu, nem o governo, nem a imprensa, nem a comunidade gay reagiram com o devido senso de urgência. Mas nos anos seguintes a situação se inverteu. No Brasil, a aids vitimou pessoas com fácil acesso aos meios de comunicação. Tudo virava notícia.
Ainda hoje é assim. Há poucos dias, a agência americana que regula medicamentos (FDA) aprovou um remédio capaz de reduzir o risco de infecção. O que o fabricante fez foi juntar na mesma pílula duas drogas já usadas no tratamento. O risco de infecção caiu para 42% em alguns estudos. Em outros, chegou a 73%. A boa e velha camisinha é mais eficaz e custa infinitamente menos.
Não é a cura da aids, não é a primeira vacina eficaz, não é um método revolucionário de prevenção. Mesmo assim, a notícia ganhou a manchete principal de vários jornais brasileiros.
Nesta semana, o Ministério da Saúde anunciou que vai oferecer duas novas drogas para o tratamento da hepatite C. O destaque que a imprensa deu para a doença foi mínimo. No dia 28, a Organização Mundial da Saúde lança uma campanha internacional para aumentar a consciência sobre o risco das hepatites. Será que vai emplacar em algum lugar? Notícia fraca, sem graça, um vírus sem charme.
Charmosas ou feiosas, as hepatites não podem mais ser ignoradas. Abaixo minha pequena contribuição para que sejam conhecidas:
HEPATITE A
Transmissão: Pela água e pelos alimentos contaminados com fezes humanas
Sinais: De 15 a 45 dias após o contágio, a pessoa sente febre e mal-estar. Cerca de 20% dos infectados ficam com os olhos amarelados e a urina escura. Depois melhora espontaneamente. Na infância, a doença costuma ser leve. Nos adultos, sobretudo acima de 50 anos, pode ser grave e fatal. Nesse caso, há necessidade de transplante de fígado
Teste: Um exame de sangue identifica se a pessoa já tem anticorpos contra o vírus. Se não tiver, a vacina é altamente recomendável
Vacina: São necessárias duas doses, vendidas em laboratórios e clínicas particulares. A pessoa fica imunizada por toda a vida. O SUS oferece a vacina apenas a grupos específicos, como transplantados, crianças com HIV, portadores de doenças do fígado etc.
Tratamento: Rémedios para aliviar a febre e o mal-estar
HEPATITE B
Transmissão: Sexo, material perfurante, transmissão de mãe para filho na gestação
Sinais: De 15 a 180 dias após o contágio, a maioria sente febre e mal-estar. Em mais de 90% dos casos, os adultos se curam espontaneamente. Na infância, a taxa de cura espontânea é inferior a 50%. O vírus permanece no organismo causando danos ao fígado sem dar sinais. A doença costuma ser descoberta quando já virou cirrose ou câncer
Teste: Exames de sangue identificam os portadores do vírus (que precisam de tratamento) e quem pode se beneficiar da vacina
Vacina: São três doses. O SUS oferece a vacina a todos os menores de 24 anos e a alguns grupos específicos (profissionais da saúde, do sexo, imunossuprimidos, coletores de lixo etc.)
Tratamento: Na fase crônica, existem diversos remédios que tentam eliminar o vírus. Todos eles são oferecidos pelo SUS. O principal é o interferon (usado por cerca de seis meses). A taxa de sucesso fica entre 30% e 40%. Podem ser necessários antivirais pela vida toda
HEPATITE C
Transmissão: Material perfurante, transmissão de mãe para filho na gestação
Sinais: De 15 a 150 dias após o contágio, a doença se manifesta. Em mais de 90% dos casos, o paciente sente febre e mal-estar. A doença é leve, melhora espontaneamente e nem sequer é diagnosticada. Quando o vírus permanece no organismo, ele causa danos ao fígado sem ser notado durante mais de 20 anos
Teste: Exames de sangue identificam se a pessoa é portadora crônica do vírus e qual o melhor esquema de tratamento
Vacina: Não existe
Tratamento: Interferon peguilado e ribavirina de 24 a 48 semanas, dependendo do tipo genético do vírus. Segundo um anúncio feito nesta semana, o Ministério da Saúde passará a oferecer outras drogas que elevam a chance de cura. Elas interferem na replicação do vírus
HEPATITE D
Transmissão: Sexo, material perfurante, transmissão de mãe para filho na gestação
Sinais: O vírus só infecta quem já tem o vírus B. Em mais de 50% dos casos a pessoa fica amarelada na fase aguda. Na fase crônica, a doença se agrava e pode matar por cirrose ou câncer de fígado
Teste: Um exame de sangue identifica se a pessoa já tem anticorpos contra o vírus. Se não tiver, deve ser vacinada
Vacina: A vacina contra o vírus B protege também contra o D
Tratamento: Interferon peguilado associado ou não a outro antiviral. O tratamento costuma durar 48 semanas. Alguns pacientes precisam usar interferon durante vários anos

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